Dr. McGill fala CrossFit

O Dr. Stuart McGill é uma unanimidade quando o assunto é dor lombar e treinamento preventivo. Nessa entrevista realizada pelo Dr. John Rusin, publicada no site T Nation, McGill responde algumas questões controversas com muita propriedade.  
Você pode conferir o original aqui- http://www.resgatedomovimento.com/traducoes/a-visao-do-dr-mcgill-sobre-o-crossfit/#prettyPhotoc

Dr. Rusin: O CrossFit é perigoso?
Dr. McGill: Minha especialização é em lesão nas costas, de modo que é a partir dessa perspectiva de que eu abordo temas controversos como este. Para registro: eu tenho uma relação de amor e ódio com o CrossFit.
Eu não acho que “perigoso” seja a palavra certa, mas certamente “risco de lesão” é mais apropriado e facilita a discussão de práticas que influenciam risco de lesões, mecanismos de lesão e taxas de lesões.
Um dos principais componentes do CrossFit é o levantamento olímpico. O levantamento olímpico deve se adequar ao levantador, não o contrário. Dado às demandas anatômicas especiais necessárias para levantar com eficiência e com resiliência à lesão.
A flexibilidade necessária nos quadris e nos ombros em muitos casos é um presente de seus pais. Não importa o quanto tente alongar, alguns nunca terão o encaixe anatômico do quadril e ombro necessário para realizar um agachamento profundo e levantar uma barra sobre a cabeça. Mas tentarão. E sua forma comprometida criará mecanismos de lesão substanciais.
A maioria das que eu vejo são protuberâncias dos discos intervertebrais e fraturas da placa vertebral terminal. A maioria dessas fraturas não é detectada por radiologistas em exames de raio-x.
Dr. Rusin: O que pode fazer um treinador de CrossFit, sem uma forte base em levantamento olímpico, para identificar atletas em risco e manter seus clientes e atletas seguros?
Dr. McGill: Isso é um desafio para todo treinador. Qualquer um pode jogar basquete com um risco mínimo de lesão, mas isso não se pode dizer do levantamento olímpico. A questão é que a programação dentro de uma rotina do CrossFit pode ser problemática. Treinadores olímpicos de classe mundial treinam com poucas repetições. Eles também aprendem a nunca perder um levantamento, nunca levantar quando fatigado, e nunca comprometer a forma. Eles não criam memória muscular poluída com padrões cansados. Essa abordagem gera rápidos ganhos em performance e menos lesão.
Conheci vários levantadores olímpicos ao longo dos anos que são unânimes em afirmar que sua lesão nas costas foi uma lição. Eu ensinei eles a nunca levantarem com uma forma comprometida de novo. Um deles veio a quebrar vários recordes mundiais.
Dr. Rusin: Quais são as causas mais comuns de lesão?
Dr. McGill: Os discos são bastante resistentes e resilientes a altas carga quando eles não estão flexionados, mas quando em uma postura neutra.
Atlas-Stone Pense em flexionar a coluna ao pegar uma atlas’ stone. A coluna é flexionada sobre a pedra e levantada com extensão nos quadris – a coluna permanece rígida. A lesão aparece quando a coluna vertebral é flexionada e, em seguida sobrecarregada com alta compressão, e se estende ainda mantendo essa alta compressão. Aqui, as altas repetições destes movimentos em flexão enquanto sob altas cargas, estressam lentamente as fibras de colágeno que formam os anéis externos do disco.
Eventualmente, o efeito cumulativo no núcleo pulposo pode causar uma protusão discal. Temos realizado dezenas de experiências ao longo dos anos para provar isso.
Dr. Rusin: É bem aceito que colocar a coluna em uma posição flexionada sob altas cargas é uma coisa ruim. Mas os levantadores olímpicos não suportam os mesmos tipos de estresse que os atletas CrossFit quando executam levantamentos olímpicos dentro de programação ou do WOD?
Dr. McGill: Essa é a distinção entre os verdadeiros atletas de levantamento olímpico e os atletas CrossFit. As altas repetições e a deterioração da técnica do levantamento por causa da fadiga em atletas de CrossFit provoca uma maior incidência de protuberâncias e hérnias de disco. Eu raramente tenho que lidar com essas lesões nos atletas olímpicos – normalmente eles têm costas saudáveis, mas sucumbem a lesões no ombro, joelho e quadril.
Mas o CrossFit agrava ainda mais o risco. Os atletas de levantamento olímpico enrijecem o colágeno em seus discos intervertebrais apenas treinando a mobilidade articular. Já os atletas de CrossFit devem executar exercícios como Burpees. Realizar dez burpees antes de dez snatches substitui a rigidez do disco pela flexibilidade e suavidade na matriz que segura as fibras de colágeno juntas, resultando em um cenário de risco de lesão mais potente. Muitos atletas têm, e vão pagar o preço com anos de dor nas costas.
Dr. Rusin: Então a programação específica de treinamento do Crossfit pode colocar a saúde da lombar em risco. Mas será que os treinadores de Crossfit não sabem disso?
Dr. McGill: Enquanto eu participava da competição de CrossFit no Arnold Classic, uma coisa realmente se destacava: a técnica de levantamento era péssima.
Eu não vi um levantador competente. Nenhum! E as coisas só pioraram com cada série e repetição. (Vou deixar claro que eu visitei antes alguns boxes de CrossFit e encontrei alguns levantadores muito competentes). Nenhuma correção dos treinadores, apenas incentivo para continuar levantando. Os atletas lesionados desceram para a barraca médica onde eu vi abordagens de fisioterapia e quiropraxia sendo administradas, e na minha opinião, inadequadas e estranhas.

Injury

Dr. Rusin: O que eles estavam fazendo?
Dr. McGill: Eles estavam colocando os atletas em posições flexionadas e aplicando técnicas manuais nos seus músculos lombares, piorando a situação. Os terapeutas pareciam não compreender os mecanismos que causavam a dor nos atletas – eles tinham dores nos discos. Eu suspeito que os atletas pensam que a lesão não irá acontecer com eles, e que o prejuízo da técnica de levantamento durante a fadiga não irá acontecer com eles, mas manter a boa técnica é muito importante.
Dr. Rusin: Como os atletas de CrossFit se comparam a outros atletas de elite com quem você já trabalhou?
Dr. McGill: Eu não sou capaz de responder à pergunta: “Quem são os melhores atletas?” Mas eu posso abordar o treinamento e se ele cria ou não o melhor desempenho atlético no indivíduo. O programa baseado em ir até a falha com velocidade e altas cargas irá diminuir a vida atlética na maioria dessas pessoas. Mas será que eu posso dizer que é diferente do MMA, futebol americano e diversos outros esportes?
Treinar para competir no Crossfit Games diz respeito a criar uma competência muito especial, mas o nosso trabalho demonstra que isso não gera a melhor transferência. Eu não sei o quanto transferível esse treinamento é para outras atividades e esportes.
As variáveis físicas competem uma com a outra. Por exemplo, não podemos treinar para uma potência explosiva máxima e ainda assim treinar para resistência. Não é possível melhorar os mecanismos de contração rápida para obter a máxima velocidade e força, e ao mesmo tempo aumentar a resistência à fadiga, estimulando o metabolismo lento da contração muscular. Mas esse contraste não necessariamente pode levar à lesão – somente a um atleta pobremente especializado.
Dr. Rusin: Então você está dizendo que o treinamento específico do CrossFit pode dificultar o desenvolvimento atlético potencial de um atleta em outros esportes além do CrossFit?
Dr. McGill:  A metodologia do Crossfit irá somente criar um melhor competidor de Crossfit. Existem melhores maneiras de desenvolver um corredor mais rápido no futebol, um melhor remador, um melhor levantador olímpico, etc. Diminuir o volume de repetições é somente uma variável, no meio de tantas, que precisariam de otimização.
Alguém irá argumentar que alguns exercícios do CrossFit que exigem força no tronco, como o GHD medicine ball toss por exemplo, criam competência atlética.

Ball-Toss
Dr. Rusin: Eu tenho argumentado que o GHD medicine ball toss é um dos movimentos do CrossFit com maior risco de lesão. Afinal, esse exercício desenvolve alguma competência atlética?
Dr. McGill: Eu diria que cada indivíduo tem apenas uma quantidade definida de capacidade de treinamento. Um conjunto muito melhor de exercícios poderia ser programado para atingir a competência atlética sem consumir tanta capacidade de treinamento disponível.
Novamente, a programação não é projetada para permitir o máximo do desenvolvimento atlético e a redução do risco de lesão. O ponto é, o risco poderia ser diminuído, e as variáveis atléticas aumentariam se houvesse mais pensamento crítico dirigido para a programação.
Dr. Rusin: Um dos seus estudos recentes – relevantes para a discussão sobre fitness e risco de lesão – revelou que policiais e bombeiros mais em forma, se machucam mais cedo.
Dr. McGill: Testamos várias centenas de bombeiros junto com uma equipe policial da SWAT para algumas variáveis atléticas: biomecânica, fisiológica, amplitude de movimento, resistência – em uma bateria robusta de testes. Acompanhamos os bombeiros por 3 anos e os policiais por 5. Os resultados indicaram o mesmo: aqueles mais em forma se machucam mais.
Em seguida, analisamos os mecanismos de lesão – a maioria das lesões não ocorreu no dever da função, mas sim na sala de musculação. Eles estavam treinando no estilo de levantar até a falha e com uma técnica comprometida. Os que treinavam mais moderadamente estavam menos em forma que os lesionados, mas o suficiente para previnir lesões.
Dr. Rusin:  Na sua opinião, qual é o aspecto mais positivo do CrossFit que nós todos podemos aprender?
Dr. McGill: Eu vejo muitos pontos positivos. No CrossFit, vejo pessoas se reunindo em torno de atividades físicas em que antes não podiam se envolver. Quando eu era mais jovem, eu teria amado isso – quanto mais difícil o desafio, melhor.
Na escola secundária e na faculdade, treinei para ganhar força e tamanho, e depois para performance específica, envolvendo velocidade e força. Mas então eu tive que diminuir a intensidade, já que o efeito do tempo em meu corpo estava se manifestando com dor e uma recuperação mais lenta da lesão e do treinamento. Aos 50 anos eu tomei uma decisão consciente para me aposentar com o máximo possível de qualidade física.
Agora eu olho em volta e vejo meus contemporâneos que ainda mantêm suas articulações preservadas – e eles não eram aqueles que pensavam, quando eram mais jovens, que o treinamento intenso lhes daria boa aptidão ao longo do ciclo de vida.
Isso só é possível alcançar com moderação.
Mas tenho afirmado que estou igualmente consternado por muitos alunos da minha universidade, que são tão sedentários e destreinados, que vão sofrer as consequências na saúde por ser fisicamente fracos. Se eu pudesse influenciá-los, eu iria treiná-los em competência de movimento, em seguida, enviá-los para o CrossFit. Mas um box de CrossFit concentrado no movimento adequado e com uma metodologia de treinamento baseada em ciência, é claro!
Dr. Rusin: O que você faria se pudesse comandar o CrossFit por um dia?
Dr. McGill: Essa é uma pergunta justa e certa para quem quer ter o direito de expressar uma opinião. Ela adiciona perspectiva.
Do ponto de vista do treinamento, eu reduziria o número de repetições dos levantamentos olímpicos. Talvez modificasse a programação para única ou dupla no início de uma sequencia. Mas seria necessário haver uma maneira de avaliar a competência do aluno. Eu não adicionaria volume a um evento que tivesse um risco inerente de lesões teciduais, como os levantamentos olímpicos e o GHD medicine ball toss. De fato, eu iria retirar esse exercício, uma vez que ele rouba a resistência do levantamento.
Na verdade, se as repetições fossem necessárias, eu iria proibi-lo. As leis do movimento humano para a resistência a lesões começam primeiro com a estabilidade proximal aumentando a performance distal e, em segundo lugar, geram potência nos quadris, e não na coluna vertebral. Isso criará um atleta mais competente e resistente a lesões.
Dr. Rusin: Então, nós temos uma lista de coisas que você removeria do treinamento. Há alguma adição que você gostaria de ver no CrossFit?
Dr. McGill: Alguma variedade a mais nos eventos para incluir cursos de obstáculos, e mais exercícios de resistência, como a new military plank hold. Estes exercícios manteriam o elemento de resistência mental, que é uma característica maravilhosa do CrossFit.
Curiosamente, esta parece ser a direção dos eventos Spartan Race e Tough Mudder. O envolvimento natural que ocorre nos times é maravilhoso. Não admira que a participação esteja crescendo entre policiais, bombeiros e grupos militares.
Nós estamos publicando um estudo em que treinamos um grupo de bombeiros com um programa de repetições e pesos substanciais, mas não ensinamos a técnica- a ênfase estava em completar as repetições. Isso vai soar familiar para a comunidade CrossFit. Em um segundo grupo, nós insistimos em uma boa técnica em cada repetição, parando o exercício quando a técnica se perde, corrigindo-a sempre.
Os dois grupos aumentaram a performance. No entanto, nós testamos sua competência de movimento em tarefas de combate a incêndio de alta demanda após as sessões de treinamento. O segundo grupo movimentou-se com mais eficiência e menos mecanismos de lesão. O grupo que executou, mais repetições, até a falha e com menos técnica, teve mais mecanismos de lesão em seus movimentos.
A partir desta perspectiva, a transferência da habilidade de movimento para outros eventos, juntamente com fitness, exigiu uma abordagem de treinamento disciplinado. Nossos dados demostraram que realizar mais repetições sem se concentrar na técnica, não transfere tão bem para outras atividades, enquanto a abordagem da forma de movimento disciplinada o faz.
CrossFitters interessados em serem melhores atletas e com menos lesões estarão interessados nessa abordagem – e deverão ajustar a sua forma de treinamento.
Dr. Rusin: Isso poderia diminuir a alta incidência de lesões secundárias no treinamento do CrossFit. Poderia ampliar a esfera de transferência de habilidades do Crossfit para outros esportes.
Dr. McGill: A variedade de eventos poderia ajudar a obter uma melhor transferência de habilidades para outros esportes, e reduzir o risco de lesões.
Alguns eventos Strongman seriam melhor para testar a força de preensão, a força do plano frontal e as resistências isométricas que faltam em muitas rotinas do CrossFit. Isso exigiria que os executivos do CrossFit expandissem a marca.
A adição de competência de movimento na avaliação do CrossFit, reduziria o risco de lesões. Alguns exercícios são atualmente julgados, por exemplo, se conseguir elevar o queixo sobre a barra – mas isso é contar as repetições com base em uma métrica de desempenho. Julgar os levantadores quanto à forma e habilidade seria melhor, mas difícil de administrar.

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Dr. Rusin: Enquanto eu concordo que seria ótimo ter uma medida para a competência do movimento e da execução, tudo não deveria começar na fundação do treinamento?
Dr. McGill: Treinadores precisam de muito treinamento. Eu fico tão decepcionado quando ouço os treinadores gritando com um cliente para continuar a tentar mais repetições com uma técnica horrível. Isso é comum nos vídeos do YouTube e é horrível para o marketing do CrossFit.
Um bom treinador avalia seus clientes buscando seus históricos de lesão, habilidades e metas de treinamento para, em seguida, desenvolver um programa de treinamento que enfatize melhor a técnica. Um mau treinador exige demais do cliente e deixa ele se machucar.
Dr. Rusin: Esse é um dos maiores equívocos que vejo em toda a indústria do fitness: a suposição de que uma metodologia de treinamento excessivamente pesada, que rotineiramente coloca um atleta em seu limite, irá produzir melhores resultados quando comparada a uma rotina de treinamento mais inteligente e orientada aos objetivos. Existe uma grande diferença entre determinar um movimento para ser “difícil” e um movimento para ser “desafiador”.
Dr. McGill: Com certeza. Claramente algumas pessoas não têm competência para levantar uma barra do chão. Elas devem levantar a partir de uma posição mais suspensa. Eu suspeito que incorporar esta modificação reduziria um monte de lesões relacionadas ao levantamento no CrossFit.
Dr. Rusin: Então como nós podemos proteger os nossos atletas do CrossFit?
Dr. McGill: Nenhum atleta pode permanecer no ápice da performance por muito tempo sem se lesionar. Os esportes de combate instituíram comissões para reduzir o número de lutas e para monitorar um lutador antes de restabelecer seu status para competição.
A legislação para limitar o volume de treinamento para os jogadores de críquete (semelhante aos lançadores de beisebol) na Austrália é outro exemplo de que essas abordagens reduzem as taxas de lesão enquanto preservam o alto desempenho.
Algum mecanismo institucional ou legislativo equivalente estabelecido pelos administradores do CrossFit ajudaria os atletas sérios da modalidade.
 

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